segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ainda na pausa

Jimbo, cariño

Vale, vale. Essa imprensa é uma piada, né mesm? Não venha dizer que é porque não gosto de jornalistas, que quem não gosta é ela.
Mas, olha só, agora a pouco li uma manchete "Até que enfim, Espanha vence na Copa", ué, é só a segunda partida! Eles não perderam nove rodadas, e "até que enfim" ganharam!

Esses dias li o que o Kfouri tinha escrito. O cara só fez propaganda de empresas privadas... nada sobre futebol... "fomos assaltados na Africa do Sul"... ué, esses dias um amigo foi assaltado em Madrid! Tem gente sendo assaltada em Paris, em Londres... aliás, os maiores assaltantes moram justamente nesses lugares incivilizados e obscurantistas citados. Mas, os assaltos de rua também acontecem, que os ladrão-pé-de-chinelo estão por toda parte.

Depois, acompanhando um jogo pelo internet, uma comentarista, falando mal do juiz: "detalhe, o juiz é de Mali, país sem nenhuma tradição no futebol"; que tem a ver? Brasil não tem 'tradição' em corrida espacial, que aquele cara, Fontes, foi fazer no espaço? Que que o Guga tá fazendo com trofeus de Roland Garros (viu, tu nem sabe o que é isso, roland garros!)?

E, tenho me irritado tremendamente com as invencionices, tipo "Dunga pode ser punido...", pelas palabritas que disse pro bobalhão da globo; li a 'noticia', e era só eles jogando lenha pra alguma punição do Dunga, que o cara da Fifa declarou que não sabia de nada... ou seja, não havia noticia nenhuma, só especulação dessa imprensa ridícula.

Venga, vou dormir logo, que depois de a Espanha ter vencido Honduras... vaya, que custava terem empatado no 0x0? Agora, que venham Chile e Suiça, que sejam rolos compressores! Chega de brincadeira.

E dá-lhe Paraguay!!!!!!!!!!!!!!!!

Um abração, e nos vemos na partida de sexta?

Bárbara

domingo, 20 de junho de 2010

Pausa para Copa

Querida Bárbara,

estou com saudades de você.

Copa, copa, copa. Pelo menos, na internet. Porque aqui nesse pedaço de mundo... é uma pobreza futebolística. A TV aberta só passa um jogo ao dia. Nem os bares passam, porque quase ninguém quer ver futebol. Só os turistas...
Eu, apaixonado que sou pelo esporte, gostaria de ver mais jogos. Vi quase nada. Menos mal que Gustavo fez a crônica.
Agora, estou vendo Brasil e Costa do Marfim. Assim-assim.
Gosto muito do Elano, mas, tá mal. Luiz Fabiano não se posiciona. Robinho (arghhh) deixou uma barbinha pra tentar ficar com cara de homem, mas, parece que passou carvão no rosto pra brincar de quadrilha de São João. Ele e Kaká não precisavam estar alí.

Brasil vai ganhando, mas o passe na dianteira... fato básico: a gente não toca a bola pra onde o companheiro/a está, mas, pra onde vai estar no futuro imediato, e é pra lá que esse colega deve ir; por isso se treina junto, pra mover-se em consonancia uns com outros. Mas, o passe sai pra um lado, e cadê o sujeito que devia estar lá?

Viu como eu comecei o parágrafo anterior? Então, bem isso. A seleção é patrimônio do Brasil, logo, patrimônio público de todas e todos brasileiros e brasileiras. Então, deveríamos saber mais e participar da gestão desse patrimônio. Eles são o Brasil na Copa, logo, nos representam. Logo, os dinheiros que são ganhos nessa representação, e os que são gastos, devem passar por nós também.
Quero saber quanto gira no Mundial. Você sabe?

Venga, que pra você não preciso falar de porquê gosto de futebol. Mas, como tem tudo isso da mercantilização, da exploração, dos supersalários, da reificação, das máfias, da alienação, e tals... te conto: adoro um futebol bonito, inteligente, forte. O futebol por ele mesmo, esse que brincamos na rua, em qualquer campinho de terra, de areia, de grama, de pedrinha, com dois chinelos por trave, com uma variação entre um e 30 ou mais jogadores e jogadoras.
Quantos dedos tiramos do lugar, quantas unhas perdidas, quanta pele das solas dos pés trocamos, e tornozelos feridos, e canelas roxas, e coxas marcadas. Quantas vezes perdemos a voz torcendo pelos amigos. E saímos de casa cedo, com água, chicletes, biscoitos, mate, toalhas, pra apoiar o time e passar o dia no torneio.
Enfim, futebol é bom, é bonito, e me agrada muito.

Espero suas notícias! E desejo que sejam boas.

Um grande abraço

Jimbo

quinta-feira, 10 de junho de 2010

32. Sobre Abdul al-Aziz Ben Du'an

Muito cedo na madrugada, ela desperta, sentindo a respiração irregular de Wolf em seu ouvido. Havia dormido muito pouco, mas, tinha que partir.
A proximidade de Wolf, o desejo dele, a fizeram também desejá-lo, mas, "uma pena que já não podemos...", pensa enquanto beija a face do amigo.

Prepara mate e café. Leva a xícara fumegante para Álvaro, que resiste em deixar o rádio amador. Ele a olha interrogativo,
"chegou uma mensagem, pra você..."
Os olhos dela se iluminam...
"que sejam boas notícias!"
"não sei, só diz - 'todo o ministério da crise está bem e atuante' - o que é isso?"
"Bu!", pensa ela, e responde, "uma das equipes... minha família... e...", ela não prossegue, mas, o sorriso não esconde a felicidade com tão pequena nota.
"como precisamos de poco pra ter felicidade, né?", participa Álvaro, sorrindo enquanto sorvia o café.

Abdul al-Aziz Ben Du'an era um palestino, educado e crescido na luta. Para ela, apenas Bu, apelido carinhoso que ele detestava. Ao vê-la, o primeiro pensamento dele havia sido "que linda, pra uma ocidental", mas, o que o havia seduzido era a firmeza da mulher, ainda bastante jovem. A ela, encantou a profundidade do olhar dele, e o sorriso, entre preocupado e divertido.
Conheceram-se em uma tarefa comum, e logo a afinidade política os uniu.

Abdul sabia muito sobre tática e estrategia militar. O fato de ter crescido mudando de lugar em lugar, em um mundo pequeno e poliglota, lhe deu habilidade em aprender línguas, e se divertia com a dificuldade que ela tinha em pronunciar qualquer palavra de seu idioma.
Contribuindo ativamente com a Internacional, especialmente em regiões de conflito deflagrado, Bu viaja muito. Ela, comprometida com sua organização, não o acompanhava.
"eu não tenho a bagagem que você tem para essa tarefa, e não vou ir atrás de ti, se minha organização me necessita..."
Seguiram anos juntos, com as notícias das amantes de Bu não sendo suficientes para arrefecer a paixão dos dois.
Até que ela passou a executar tarefas que exigiam viajar muito mais, e começou a desejar um filho.
Abdul começou a se afastar. A tratava carinhosamente, mas, o medo de que ela engravidasse, como desejava, o fazia evitar o sexo.
Com as viagens frequentes dela, começou a imaginar que poderia estar se encontrando com outros homens, e as críticas ao trabalho dela passaram a ser contínuas e públicas. Mais de uma dúzia de vezes, em corredores ou mesas de bar, tinha visto os olhos dela nublarem com coisas que dizia sobre o trabalho político que ela levava.
Ela olhava o espelho e se perguntava por quê devia suportar aquilo.

Até que ele juntou algumas coisas e partiu. E nunca mais falou com ela.

Agora, mandava a pequena mensagem, que sabia que ela entenderia. Assim, de certa forma, mantinha a distância.
Wolf senta-se ao lado dela, e recebe a cuia de mate. Eles se olham intensamente, de mãos dadas. Álvaro os deixa, compartindo a dor.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

31. De como ainda se pode rir

"Quem seria tolo de dexá endereços por aí?"
"Ninguém esperava que isso tudo explodisse agora, também...", ameniza um.
"Deve ter sido Lenoir...", divaga Clara, "ele sempre foi desligado, relapso...", e ganhando confiança, "aliás, por que a Internacional queria que ele seguisse logo contigo?", e olha para a Mulher.
Uns e outros se olham, estranhando o tom de Clara.
"Porque ele é tradutor?", arrisca alguém.
"Ele é um vendido, isso que é. Por que tá onde tá até hoje? Ele gosta da boa vida, e seria muito capaz de nos vendê pra conservá o que acha que tem... sim, porque aposto como a cabeça dele rola agora, ninguém gosta de traidor", Clara aperta os lábios, e vai pra outra salinha.

A mulher olha o teto, lembrando de Lenoir. Conhecia os defeitos e fraquezas dele, sabia que ele tinha uma ponta de covardia na alma, mas, não era traidor do movimento. E ela tinha asco à covardia... mas...
Ela quebra o silêncio, depois de trocar um olhar entre divertido e magoado com Wolf,
"Gente, a lista que a polícia tem é falsa"
"Como??"
Wolf sorri, ela também, e Wolf continua o relato,
"Nós inventamos essas anotações... um domingo, meio sem o que fazer, resolvemos brincar de inventar pistas falsas pra polícia. Nem imaginávamos que acabaríamos usando"

Um alívio percorre todos e todas. O riso nervoso a princípio, vai se soltando,
"E onde as pistas vão levar eles?"
"Á biblioteca, ao museo e ao cemitério..."
"E como vocês entregaram pra eles?"
"Eu joguei no lixo, quando saí de casa... imaginei que algum agente ia buscá"

As gargalhadas ressoam, misturadas com as dores pelos camaradas perdidos, pelos aprisionados, pela insegurança, e pelo tamanho do desafio que os esperava.

A madrugada avança, e feitos os turnos da guarda, cada qual se acomoda como pode. Ela se estica na manta. Algum tempo depois, Wolf se deita ao seu lado,
"Vou contigo pro norte"
"Não"
"Preciso estar contigo... se for pra morrer, que seja ao teu lado"
"Precisamos de você aqui; você precisa ajudá tirá todo mundo da cadeia, sabe que vão matá eles"
Ela o aconchega no peito, ele a abraça.

Enquanto ela dorme, Wolf permanece insone. Usa o tempo para sentir o cheiro dela, brinca com o cabelo, acaricia o rosto.
E Pedro começa a sentir uma inquietação, enquanto segue montando guarda em casa de Zita.

domingo, 6 de junho de 2010

30. De como transcorre o último encontro no porão

"Camaradas, vamos nos concentrar e ser objetivos, que precisamos ser rápidos"
Os que haviam ficado abraçavam os que voltavam ao porão. A mulher segurava a mão de Clara, que tinha os olhos fundos de muitas horas de choro.

"Esperamos Wolf pra a qualquer momento... esperamos que chegue..."

Pela dúvida, começam a discussão com os presentes.
"Encontraram os corpos de Mario e Beatriz, a filhinha deles está desaparecida"
"Em toda parte o deslocamento está cada vez mais difícil... então a Internacional sugere que você", Alvaro aponta a mulher, "tente seguir com tantos quantos for possível para Cuba, até agora tem sido um ponto de honra pra defesa. O que sabemos é que está arrasada, e o exército estadunidense está indo no combate corpo-a-corpo, pela proximidade, não irão detonar armas nucleares alí..."
"Antes, temos que organizar a resistência aqui", contesta a mulher, "não é uma guerra exatamente entre países, eles querem acabar com as organizações de classe. Mas, quero seguir para Cuba assim que seja possível"
Ela quer perguntar se há noticias de Bu, mas, se cala.

A que está na guarda anuncia a chegada de Wolf, e se reinicia a troca de abraços. Ela fica por último, e os dois amigos se abraçam longamente. "Estava preocupada", ela sussurra, "Eu também..."
Wolf faz os informes: John e Guilhermo, Lenoir, a situação na delegacia, e junta os materiais que traz aos que outros já haviam trazido ao porão.
"Que fazemos?"
"Creio que quase todos e todas estamos no máximo risco agora. Talvez Wolf ainda possa se mover..."
"E Márcia"
"Sairmos das grandes cidades, são mais perigosas; devemos tentar organizar a resistencia a partir do campo e das pequenas cidades"
"Nos dividimos e reagrupamos, formamos brigadas nas regiões. Para sair do país não há previsão, é preciso sorte..."
"Eu vou pro norte", diz a mulher. Conhecia a região, e tinha idéia de o que fazer. De aí, tentaria seguir para Cuba, quando encontrasse Lenoir.

Wolf seria o laço exterior, e contataria Marcia. Todos os demais já se sabiam clandestinos. Ela não concorda,
"Sabem que estamos condenando eles...", Wolf lhe dá um sorriso, tentando passar confiança. Mas, tem medo.

Alguns se acomodam para dormir. Ela e outros se põe a um canto com o mapa da cidade, e o desenho que Wolf fez da delegacia. Precisam soltar os companheiros, sabem que não haverá sobreviventes entre os presos.

No primeiro momento da madrugada, chega Cecilia. Parece uma adolescente, mas, já passa dos 30 anos. Ofegante, senta-se, com os olhos muito abertos,
"Estava num bar, perto do Centro de Inteligencia... eles têm uma lista de endereços... ouvi três deles comentando na calçada... eles têm uma lista, que pegaram nas anotações de um dos nossos..."
"Mas, quem seria burro pra anotar endereços? E deixar que eles peguem?"

Ela e Wolf trocam um olhar.

29. Wolf volta ao porão

Wolf sai do quarto, observando se Joana está por alí, não a encontra, e busca alguma saída alternativa à recepção.
Mas, a recepcionista o vê,
"Senhor João Albuquerque?"
Sem mais remédio, ele se volta para a moça.
"O senhor que estava te visitando deixou isso para você", e entrega um pacote.
Wolf agradece, pega o pacote tentando disfarçar a surpresa, e sai.

Na rua, observa o movimento, e vai pegando ruelas e avenidas, até a casa da avó.

A velhinha o abraça, preocupada e aliviada.
"Ele me deixou isso na recepção do hospital..."
"Ele é ele, mas te conhece, e te respeita..."

Abrem o pacote: dinheiro, papéis de identidade, carimbos, documentos falsos com fotos de Wolf, dois spray de pimenta. Wolf se espanta, a avó não.

"Você pode ter escondido muito bem de quase todo mundo. Ele te conhece, meu filho, e ele respeita tua coragem e..."
"E?"
"E teu amor..."
"Como ele sabe?"
"Ele sabe tudo...", a avó sorri, "e quer que você sobreviva, antes que qualquer coisa."

Deixa o neto comendo, e arruma um pacote com todo o dinheito que tem, mais medicamentos de quase todo tipo.
"Lenoir ligou", a avó nota a sombra nos olhos do neto.
"E está bem?"
"Sim, amanhã vou tentar encontrá-lo."

Na entrada da noite, uma velhinha sai do edifício, apoiada numa bengala, empurrando um carrinho de feira, e toma um táxi.
Quando se crê seguro, com um gesto Wolf pede ao taxista que páre, paga sem dizer nada e desembarca. Em um beco, tira o lenço e o vestido da avó, deixa o carrinho de compras, põe o disfarce na mochila e segue, ainda com a bengala, ao porão.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

28. Do encontro de Joana e Javier

Joana ouve o ruído das chaves, e se atira ao pescoço de Javier, mal este adentra o apartamento.

Era a casa dele, onde se encontravam a algum tempo.

Javier era da equipe de Pedro, e quando os pedidos de grampos telefônicos e pessoal para campana eram negados, eles tomaram pessoalmente o aumento de trabalho. Os dois sabiam que Wolf, de alguma forma, estava implicado em algo. O único indício que tinham eram os encontros deste com a mulher.

O agente decidiu por conta chegar a Wolf através de Joana. Explorou suas carências, as cegueiras de Wolf, a conquistou e a fez sua amante. Com a excusa de que ela desabafe de seu casamento infeliz, passava muito tempo ouvindo sobre Wolf, o que fazia, seu cotidiano, e ela se viu pesquisando sobre o marido, descobrindo que investigações levada, que aulas dava, enfim, começou, sem perceber, a relatar tudo sobre Wolf.

Quando passou tempo para aplacar suas iras sobre Wolf, passou a atentar-se a Javier. Descobriu quem era, e isso não a afastou. Depois de uns meses distanciados pelas mentiras descobertas, Joana o procurou, e retomaram o romance em outro patamar. Agora, ela era informante extra-oficial, sentia-se importante, e a cada dia acumulava mais raiva de Wolf.

Pedro desaprovava o comportamento do colega. Preferia pôr um grampo na casa, do que enrolar-se com a mulher. Apenas com algumas conversas casuais e acompanhando o dia-a-dia, já tinha problemas suficientes com a 'sua' mulher. Também achava que era menos 'digna' a forma como Javier levava a coisa.

Nesse fim de tarde, Joana queria estar novamente nos braços de Javier, e o bilhete da mulher para Wolf  foi quase uma desculpa para atraí-lo.
Enquanto descansavam, ela retoma o assunto,
"que vai fazer? não vai machucar wolf, né?"
"não, não se preocupe."
"mas, queria que vocês fizessem algo... com ela"
"a hora dela vai chegar, você não se preocupe"

Javier se vira de lado e dorme. Joana sonha acordada com o momento em que olharia os olhos de Wolf, e leh daria alguma "boa" notícia.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

27. Da utilizade dos telhados

Dormira poucas horas, mas, as preocupações a despertaram pronto. Banho, café, noticiário. Se veste e parte pra curtir seu último dia.

Gasta pouco, economizando as moedas. Passa no museo, não necessariamente pelas obras, mas, pelas lembranças de outros dias. Passa na biblioteca, onde tem um débito, e caminha vagarosamente entre as estantes; apenas uma bibliotecária estava trabalhando.
"E os outros?"
"Nos deixaram ponto facultativo hoje... acho que logo vão fechar as biblioteca..."

Pára em frente aos tomos de Michel Zevaco. Corre os dedos pela lombada dos livros, conservando o carinho infantil, "gracias", pensa, uma lágrima insiste e corre pelo rosto. Ela seca, sorridente, feliz por ter tido bibliotecas públicas em sua história.

A bibliotecária vai falar com a única pessoa que entrara na biblioteca durante o dia.
"Se você quiser levar alguma coisa hoje, pode levar, eu não registro, depois você traz..."
"Obrigada, quero sim."
Escolhe "Deuses Americanos", de Neil Gaiman. Já o havia lido, mas, era um símbolo de um período feliz em sua vida; e sabia que dificilmente iria devolver à biblioteca. Essa possibilidade a faz trocar de livro, não pode estar carregando esse... tira da estante "Fumaça e Espelhos", a bibliotecária assente, e ela sai, algo contente, apertando o livro no peito.

Volta pra casa de Zita, e espera. Escreve cartas, pensa nas pessoas amadas, toma café. Faz anotações "prá lembrar", como dizia.
Zita chega. Preparam comida, arrumam uma sacola.
"viu o agente?"
"não vi... tava onde?"
"tentando ficar na sombra... lá na frente. Fique atenta, pode ter mais"
"teve notícias?"
"Wolf está a salvo... e só"

Comem em silêncio. Sofrem cada uma à sua maneira.
"eu só precisava saber se estão vivos..."

Se abraçam, há muito que dizer, mas, faltam palavras.
"promete que vai sair daqui?"
"não"
"você sabe que virão atrás de ti"
"não tem problema", Zita tenta sorrir confiante, escondendo o medo.
"minha irmã, obrigada por tudo. Te amo. Quem sabe tomamos uma cerveja daqui uns dias, já no processo socialista?"
"vai em paz, filha, também amo você."
Zita olha a mulher saltando a janela, caminhando sobre o telhado vizinho. Esperava que as estruturas estivessem iguais aos dias em que a mulher e Marcia andavam por alí, brincando e testando as saídas da 'basezita'.

terça-feira, 1 de junho de 2010

26. Sobre como Marcia recupera Tornado

Marcia não saíra de casa. Devia ter ido ao trabalho pela tarde, e então já tinha chegado a noticia da declaração da guerra.
Era secretária em uma grande empresa, e tentava ajudar no que era possível. Conhecera o grupo através de Guilhermo, com quem mantinha uma relação amorosa supostamente secreta, mas da qual praticamente todos e todas sabiam.
Não tinha nenhum apreço especial pelo trabalho que fazia, mas, sabia que dependiam dele para sobreviver. Claro que preferia viver como seu amante, de reunião em reunião, organizando gente, lendo, com liberdade intelectual, entre companheiros e sem chefe. Mas, a sobrevivencia apresenta contas, e ela pagava não só as próprias, nem só as de Guilhermo - as vezes pagava também contas de outras pessoas das organizações sociais.

Nem todos confiavam nela. "burguesinha, não qué dexá essa vida...", dizia alguém; mas, quando faltava o pagamento da gráfica, da passagem, da comida, ela era das primeiras a ser procurada para contribuir.

"Faz um galope por mim", essa tinha sido a frase do início da amizade entre elas, as duas eram apaixonadas por cavalos, e Marcia tinha a oportunidade de praticar equitação com certa frequência, coisa que a mulher não podia. Começaram trocando histórias de cavalgadas, e seguiram, até confiarem totalmente uma na outra, trocando segredos em casa de Zita. Por brincadeira, começaram a chamar o lugar de 'basezita', pequena base.
Uma ajudava a fazer bons documentos, traduzia. Outra ajudava a formação política. As três queriam a felicidade, fosse como fosse.

Tinha passado o dia pensando no que fazer. Manter a vida como se nada estivesse acontecendo? As brigas com Guilhermo, que não queria que ela se aproximasse mais da organização. As conversas com a mulher e com Zita, sobre as tarefas que podia desenvolver.
Um dia depois de tudo ter começado, sem notícias de Guilhermo, enfim, chega um recado. A ligação de Zita, o bilhete do menino. O endereço ela conhecia, e já imagina o que é.

Veste uma roupa velha, pega o carro, se dirige ao haras abandonado, onde estava Tornado.

Olha os cavalos, não estão bem, mas, é o que há. Escolhe quatro, mais Tornado, que se destaca pela saúde, passa uma corda em cada um, monta no cavalo da mulher, e sai no meio da tarde, deixando atrás de si o lugar ermo.

Alguns vizinhos olham a tropinha que segue. Ela escolhe a rota, um caminho asfaltado, e lá se vão os cinco cavalos, toctoctoc, caminhando devagar.
Depois de três horas, chegam ao destino, ao norte. Ela apeia, abraça o velho Pepe, dono do sítio, entrega Tornado e mais três, explicando as orientações que tinha recebido. Deixar os cavalos que a mulher e mais alguém virão buscar.
Pepe serve queijo e suco, ela come, monta do cavalo que tinha separado pra volta, e escolhe um caminho de terra; a todo galope, volta onde tinha deixado o carro.

"pronto, índia véia, tudo pronto"

25. Os outros

O menino, o mais suavemente que pode, pergunta na recepção pelo senhor João Wolfgang Cavalcanti Abulquerque dos Santos. A recepcionista o olha entre desconfiada e divertida,
"o que você é dele?"
"sou amigo..."
"ele não pode receber visitas"
"você pode entregar uma carta pra ele então?"
Ela se rende à diversão, que gracioso o menino.
"posso"

Joana lê o bilhete detidamente, dez vezes. A raiva toma conta, e o faz pedaços. Observa a respiração irregular de Wolf, sente ímpetos de sufocá-lo.
"comunistinha do diabo..."
O bilhete era curto e aparentemente pouco esclarecedor.
"Chaval, td ok. T esperamos, atentxs. Se pt 1 no, mesm batlocal jornadas, mesm hr. TQ."
A única conclusão que Joana chegou era certa, sabia que ela havia escrito. Só ela chamava Wolf de chaval e outras variantes carinhosas, que no começo irritava, e depois passou a ser um ponto de união dos dois.

"vou te machucar, Wolf, vai doer pra você...", e ela aperta os dentes. Wolf abre os olhos.

"o que você fazia na rua aquela hora? onde você ficou esse tempo todo?" ele a olha, parece confuso, e fecha os olhos.
A porta se abre, e entra o avô. Joana o cumprimenta e atende o pedido para que saia. No corredor, liga para Javier, imaginando como atingir Wolf.
"preciso te encontrar"
"tô trabalhando"
"é urgente. Ela escreveu"
"o quê?"
"pra eles se encontrarem no ponto 1, ou no mesmo batlocal jornadas... sabe o que é isso?"
"acho que batlocal é o parque... e o que mais?"
"só. Mas, quero te ver"
"tá bom, em uma hora"

Joana sai do hospital. Javier sai do escritorio da Inteligencia.